Era uma vez um branco, loiro, que conseguira, com a ajuda de Dr. Dre, entrar em um nicho musical freqüentado quase exclusivamente por negros, seja qual for o motivo para isso. Alternando suas letras entre tirar sarro do mundo e de deus e contar como chegou ao rap, Slim Shady se caracterizou, principalmente, por aquela que talvez seja sua música mais marcante, Cleanin' out my closet. Eminem adquiriu fãs ao redor do mundo porque era um rapper que enterrava a mãe em dia de chuva. Talvez da mesma forma com que se diz por aí que filmes sanguinolentos ou jogos no estilo Counter-Strike caem na graça do público, as músicas do rapper branco eram tidas como hinos por falarem aquilo que o ser humano gostaria de fazer, mas, por uma questão de sanidade, não faz. Como, por exemplo, enterrar a mãe em dia de chuva. Insano, Eminem continuava sua caminhada pelas ruas das ilusões cada vez mais adorado pelo público e pela crítica, que sempre o considerou um dos melhores músicos de sua geração. O que, de fato, o é. Ou era.
Apesar da carreira profissional extremamente bem-sucedida, Shady sempre teve uma vida pessoal conturbada relacionada a uma personalidade inconstante e certo egocentrismo exacerbado aliado a consumo de drogas. Separou-se duas vezes de sua namorada dos tempos de colégio e ex-esposa Kim, com quem teve Hallie Scott - o álbum Encore, de 2004, contém diversas referências a esta, como as canções Mockingbird e Like Toy Soldiers. E é aí que a coisa se complica. Após Encore, uma mistura de cornidão exagerada com o sentimento que lhe remoia ao ver a filha chorando a falta da mãe tomou conta de suas produções e aquele Eminem, anteriormente conhecido por vencer batalhas de rap em 8 mile e, de forma divertida, sempre achar defeitos nos outros artistas sem nunca olhar para o próprio umbigo, deu lugar a um músico intimista que necessitava expor o que estava sentindo e aliar isso ao seu ganha-pão. O rapper que sofreu preconceito por ser branco, agora começara a construir, em certa demasia, suas letras inspiradas nas brigas com Kim e na impotência de se mostrar um bom pai para Hallie. Não por acaso, Encore foi o primeiro disco seu a não faturar o Grammy de Melhor Disco de Rap (perdera para The College Dropout, do então estreante Kanye West). Apesar da boa qualidade do álbum, a mudança de sonoridade e, principalmente de atitude do rapper, afetou os sentidos de público e crítica. Os fãs, apaixonados por seu ídolo, relevaram, mesmo que não concordando. Mas a crítica, devidamente fria, não perdoou.
Talvez por ter percebido a perda de rumo em seu último trabalho, Eminem voltou às raízes em 2009 com Relapse (em português, Recaída). We made you, carro-chefe do álbum, apresenta um clipe cheio de referências pejorativas às mais diversas celebridades do showbizz. Era o velho e bom Slim Shady que todos nós amávamos no início dos anos 00. Curiosamente, esta canção recém citada alcançou o topo das paradas apenas em três países: Austrália, Nova Zelândia e Irlanda. Embora a aceitação do púbico não tenha sido extremamente positiva (de fato foi o álbum com menor sucesso de toda a sua carreira), Relapse foi um álbum necessário. Serviu passar confiança aos fãs de que Eminem estava em boas condições psicológicas e, principalmente, de que seu imperador havia voltado e dito que ficaria.
Mas, em 2010, em meio a boatos de uma suposta centésima reconciliação com Kim, o cantor pintou o cabelo de um tom muito mais escuro do que o habitual – é possível dizer que se tornou moreno – e lançou Recovery, com o qual alcançou seu grau máximo de cornidão. Love the way you lie, carro-chefe do disco, traduz perfeitamente todo o resto. Narrando uma briga do casal, a canção se aproxima muito do pop norte-americano e pouco do rap consagrado de Shady. Com refrão extremamente agridoce, interpretado por Rihanna, Love the way you lie marcou um novo passo: Com ela, Eminem alcançou o respeito do público feminino, melhor receptor do absurdamente bem-sucedido single. Mas, a que custo? Alguns dos fãs mais antigos admitem ter vergonha de ouvir a música em público, por considerá-la demasiadamente pop e feminina. Com razão. Eminem tem se transformado em um rapper pop - e não como Kanye West, que aliou bem os dois estilos. Slim Shady se parece mais com Mariah Carey do que com Dr. Dre em Recovery. No momento, está junto com Dre terminando o aguardadíssimo Detox. Antes de identificar qual Eminem virá no futuro, resta saber se os fãs – de verdade – do cantor o perdoarão por mais esse deslize.
Por isso, deixo aqui a campanha: EMINEM, ESQUECE A KIM E VOLTA A ENTERRAR A MÃE.
Ao invés de, como de costume, deixá-los com links para álbuns completos, vou colocar singles de todas as fases de Eminem. Analise. Compare.
Lose Yourself (Trilha do filme 8 mile, 2002)
Cleanin' out my Closet (The Eminem Show, 2002)
Like Toy Soldiers (Encore, 2004)
We Made You (Relapse, 2009)
Love The Way You Lie (Recovery, 2010)
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